segunda-feira, 8 de junho de 2015

A mulher que enganou o diabinho.


Depois de muita paulada, namoradas amalucadas e pouco comprometidas, a gente fica mesmo meio arredio às vezes.  Sem perceber, meio do contra. E foi com este espírito que tudo começou.
Numa pequena galeria de apenas 7 lojas perto da igreja Santo Antônio, havia alugado duas lojinhas. A loja três e a loja 7. No meio das duas, ficava a loja da minha mãe, decoradora de primeiríssima linha. Todas as lojas ficavam à direita da entrada e do lado esquerdo uma jardineira intercalava espaços que serviam de bancos nos horários de folga.
Um dia, sem muita diferença dos demais, passando em frente à loja cinco, provavelmente saindo da 3 e indo para a 7, o que acontecia sempre, ou ao contrário, vi a nova estagiária da minha mãe descendo as escadas. Foi difícil não notar.
Um cabelo esvoaçante e puxado para o ruivo, roupas meio extravagantes e um tamanco faziam parte da indumentária da garota. Parei no ar, com as pernas ainda andando mas a cabeça parada quase um metro para trás e quase fui ao chão. A manobra passou desapercebida por ela, que somente olhou de relance, mas não pela minha mãe. O olhar foi de reprovação e eu não disse uma palavra quando ela veio em casa, durante o almoço, dizer que não admitia de jeito nenhum que eu fizesse nada com a menina. Entre blás,blás e blás de mãe, só fixei – “Itabira” e “boa família”. Os “pelamordeDeus” nem contei. Meu pai não riu e minhas irmãs nem notaram. Nos falamos nos dias seguintes e mantive certa distância.
Como nada dura para sempre e a carne é fraca ( ou seria outro o ditado? ), nos encontramos à noite, numa casa noturna com música na Savassi. Tudo sem combinar. Eu com um grupo de amigos e ela com as colegas de faculdade. Depois de cumprimentar, não entendi bem como, ela sentou ao meu lado e conversamos distraidamente até o lugar fechar. Um colega ainda tentou demovê-la a ir embora pois era tarde e ele iria junto, mas ela agradeceu e quase me obrigou a levá-la. Como se já não quisesse. Ao chegar em frente ao seu apartamento demos um beijo que pareceu durar uma eternidade, mas foram apenas segundos. Pronto, era namoro.
Com o início do namoro caiu a máscara de jogo duplo da minha mãe. Enquanto que para mim falava para não mexer com a estagiária e apenas ressaltava suas qualidades, para ela me mostrava como um ótimo partido e também falava somente das qualidades. Talvez a curiosidade tenha nos unido de início. Mas como tudo, as coisas mudam com o tempo.
Depois de algum tempo, e talvez sem muito saber, uma reação natural do homem veio à tona. A vontade de fugir de compromissos mais sérios. E era isto mesmo que o namoro havia se tornado. Algo sério. Como em outras ocasiões, um diabinho no ombro direito falava o errado, mas para mim parecia o certo.
Nesse tempo, como em vários outros, o Stadt Javer era uma segunda casa, com conhecidos, amigos, amigas e muito chopp. Nesta época, ela cursava Arquitetura no Izabela Hendrix e minha única obrigação era buscá-la na sexta em frente à portaria da Rua da Bahia, às 22:00h, na saída. Depois poderíamos fazer nossos programas juntos ou voltar ao Stadt Javer para mais chopp´s. Acontece que o horário era difícil, pois havia começado no chopp por volta das 18:00h e o caneco estava cheio. Como deixava para o último minuto o pedido da conta e ainda contava com uma saideira para pegar o carro, fui sistematicamente atrasando o horário de chegada.
Um dia, depois de várias vezes atrasado, mas sempre perdoado, o diabinho foi mais forte. Desta vez cheguei com duas horas de atraso, faltando pouco para meia-noite. No caminho me xingava, mas autocrítica é imissível com chopp. Chegando na porta, havia somente uma luz de poste lá do alto iluminando um pedaço entre as árvores, onde, sozinha, ela esperava. Parei o carro e esperei um xingamento daqueles que já havia ouvido antes, e até um fim de relacionamento. Pensei até na minha mãe e seus sermões, quando, de olhos fechados e meio acuado, recebi um beijo no rosto e ouvi um – Vamos? .
Não teve briga, não teve término, não teve discussão e nem choro. Subimos, ela tomou banho, se aprontou e saímos para um barzinho perto da casa dela. Lá, com a maior calma, ela me disse que o problema de marcar as 22:00h e chegar atrasado era na realidade a insegurança, já que todas as outras pessoas da escola iam embora mais cedo e o porteiro fechava a portaria às 23:00h. Então, das 23:00h até minha chegada ela ficava sozinha e tinha medo de assalto. Me explicou que muitas pessoas saiam juntas para ter mais segurança e passavam na porta da  sua casa, o que seria mais racional. Foi só ao final que falou sobre os horários limite. Cinco minutos depois das 22:00h iria embora para casa, onde me esperaria até as 23:00h. Neste horário, já com as amigas em algum lugar, sairia. Sem brigas. Ouvi calado, mas esqueci depressa.
Na sexta-feira seguinte, o mesmo ritual. Do trabalho direto para o Stadt Javer, próximo das 18:00h. Muito chopp e o velho diabinho. Só quase meia-noite consegui sair e ir buscá-la. Não estava muito preocupado, mas devia. Chegando, não a encontrei em frente à escola. Estava ventando e a luz do poste encobria um lado escuro, que oscilava com o balançar de uma árvore. Ainda passei devagar e parei, olhando para todos os lados, meio espantado. Não tive dúvidas, estaria em casa. Como era muito perto, chegar foi rápido, coisa de poucos quarteirões. Saí do carro, ajeitei a roupa e bati o interfone. O interfone tocou sem resposta por cinco tensas tentativas, até a conclusão mais óbvia chegar, havia saído com as colegas de sala.
Arrasado, e sem mais um traço do chopp que há pouco me entorpecia, saí a sua procura nos bares próximos. Depois de passar por vários, encontrei ela no Assacabrasa da Rua Rio de Janeiro, numa mesa cheia de mulheres, com uma conversa regada a cerveja e risadas mil. De longe me viu estacionando o carro e levantou para ir ao meu encontro. Não disse uma única palavra. Me deu vários beijos, me apresentou para as amigas, pediu uma cadeira e um copo e fez de uma noite que poderia ter sido terrível uma noite memorável.

Numa época sem celulares, pode-se imaginar minha angústia. Pode-se também perguntar se falhei de novo. Respondo: Falhei muitas vezes e ainda falho. De preferência por motivos novos. Se casei? É claro que sim, como poderia deixar escapar o amor da minha vida? Uma mulher inteligente, que enganou o diabinho e me deixou na lona. 
Fim.

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